Quase quatro séculos depois do surgimento dos primeiros quilombos, formados por negros fugidos da escravidão, cerca de três mil comunidades em todo o Brasil ainda preservam muitos dos costumes e meios de vida de seus antepassados. Na época colonial (séculos 17 e 18), havia centenas dessas comunidades espalhadas principalmente pelos estados da Bahia, Pernambuco, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Alagoas.

Os quilombos eram locais escondidos e fortificados no meio das matas, onde os negros viviam de acordo com sua cultura, plantando e produzindo em comunidade. Rejeitando a cruel forma de vida, eles buscavam a liberdade e uma vida com dignidade, resgatando a cultura e a forma de viver que deixaram na África e contribuindo para a formação da cultura afro-brasileira.

Atualmente há áreas quilombolas espalhadas por 24 dos 27 estados do país. Reconhecidas e certificadas pela Fundação Palmares são apenas 1.248, apesar de que outras 1,7 mil se autodefinam como comunidades remanescentes de quilombos.

Na Bahia, 272 comunidades de 237 áreas são certificadas, embora acredita-se que chegue a cerca de 500 o número delas em todo o estado, a maioria distribuída nos territórios Piemonte Norte do Itapicuru, Chapada Diamantina, Baixo Sul, Velho Chico, Recôncavo e Vitória da Conquista.

Uma conquista garantida pela Constituição de 88 e tornada realidade para os quilombolas por força do Decreto 4.887, de 20 de novembro de 2003, é a concessão pelo poder público do título de posse coletiva das terras que os remanescentes hoje ocupam e que já foram ocupadas antes por seus pais, avós e bisavós.

Em todo o estado, somente cinco áreas possuem titulação. Em Rio de Contas, foram beneficiadas as comunidades de Barra, Bananal e Riacho de Pedras, de Mangal/Barro Vermelho no município de Sítio do Mato, de Rio das Rãs em Bom Jesus da Lapa, de Parateca e Pau d’Arco no município de Malhada e de Jatobá em Muquém do São Francisco.

O processo de reconhecimento de domínio e a conseqüente expedição de título não esgotam as obrigações do poder público. O Decreto 4.887, além de definir as competências dos órgãos envolvidos na implementação dessas políticas, defende a criação de um plano de desenvolvimento sustentável para as comunidades.
Para ajudar os estados e os municípios a dar forma a esse plano, a Secretaria Especial de Políticas para a Promoção da Igualdade Racial lançou em 2005 o programa Brasil Quilombola, cuja finalidade é coordenar as ações – articulações transversais, setoriais e interinstitucionais – para as comunidades remanescentes de quilombos, com ênfase na participação da sociedade civil.

O programa conta com a participação de órgãos da administração pública federal, como Incra, Ibama, DRTs, Funasa, entre outros, para descentralizar e agilizar as respostas do governo para as comunidades.

As ações do Brasil Quilombola são baseadas em quatro eixos: regularização fundiária, serviços e infra-estrutura, desenvolvimento econômico e social e controle e participação social.

Plano de desenvolvimento sustentável

O governo da Bahia deu início ao seu Plano de Desenvolvimento Sustentável das Comunidades Quilombolas em 2007, com a criação da Secretaria de Promoção da Igualdade (Sepromi), responsável pela coordenação dessas ações em âmbito estadual.

As ações integram órgãos do Estado, em parceria com o governo federal, prefeituras e associações quilombolas, visando o desenvolvimento da economia solidária, promoção da saúde, educação, valorização da cultura e construção de infra-estrutura.

“Convidamos várias secretarias para a criação do Grupo Intersetorial para Quilombos, que realiza o diagnóstico das condições de vida dessas comunidades e elabora o plano para cada uma delas”, explicou a coordenadora de Políticas para Comunidades Quilombolas, Geny Aires.

Foi realizado o mapeamento das condições de vida de 27 comunidades quilombolas da Bahia, através da elaboração de diagnósticos. Dez delas já têm prontos seus planos de desenvolvimento sustentáveis: Guaí, Guruçu, Guerém, Giral-Grande, Salaminas, Tabatinga, Enseada do Paraguaçu, Parateca, Pau d’Arco e Tomé Nunes.

Mas algumas ações já vêm sendo executadas em comunidades ainda sem plano elaborado nas áreas de saneamento (Funasa), energia (Luz para Todos), regularização fundiária (Incra), socioambiental (Sepromi/Ingá), assistência técnica e extensão rural (EBDA), inclusão digital (centros digitais de cidadania/Secti) e erradicação do trabalho Infantil (Peti).

No Vilarejo de Maracujá, a 20 quilômetros do centro de Conceição do Coité, na Bahia, cerca de 60 crianças quilombolas abandonaram o trabalho na lavoura e em casas de família. Afastadas do trabalho, elas melhoraram o rendimento escolar, o comportamento em casa e estão interessadas no aprendizado. Tudo isso dentro do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti).

Até outubro deste ano, 54 comunidades de 11 municípios foram atendidas. A meta do governo da Bahia é alcançar 7.583 famílias de 137 comunidades, beneficiando diretamente 32 mil pessoas até 2010.

Produção agrícola ainda predomina

As mais de três mil comunidades quilombolas espalhadas pelo território brasileiro mantêm-se vivas e atuantes, lutando pelo direito de propriedade de suas terras consagrado pela Constituição de 88.

A produção agrícola é um dos meios principais de sustento em mais da metade das comunidades remanescentes de quilombos, que obtém renda também com transferências de recursos públicos, como aposentadoria e programas sociais, a exemplo do Bolsa Família.

Desde maio, 149 famílias quilombolas de Campo Grande, no município de Santa Terezinha, que vivem do cultivo de feijão e milho, participam de cursos oferecidos pela Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola (EBDA). A capacitação vai desde manejo da terra até trabalhos artesanais.

“Os cursos de pintura têm ajudado a elevar a auto-estima da população e o aumento da renda. Apesar das dificuldades, estamos conseguindo alcançar o objetivo de levar alternativas fora da agricultura para essa comunidade, além de resgatar a cultura negra”, afirmou Lucinete de Oliveira, técnica da EBDA.

Recursos do governo federal

O governo federal pretende investir, até 2011, mais de R$ 2 bilhões em ações que viabilizem o acesso à terra, melhoria da saúde, educação e infra-estrutura nas comunidades remanescentes de quilombos. Mas o repasse de verbas esbarra na burocracia.

De janeiro a julho deste ano, o Brasil Quilombola, principal programa para o segmento, gastou menos de R$ 1,3 milhão dos R$ 71,5 milhões de sua dotação inicial para 2008. Nos últimos quatro anos, o programa gastou apenas 32,27% dos R$ 150,26 milhões aprovados para a pasta.

O orçamento do Brasil Quilombola foi montado para assegurar às comunidades remanescentes de quilombos o desenvolvimento econômico sustentável e justiça social, bem como a propriedade de suas terras. Nesse contexto, as prefeituras têm a função de se responsabilizar, em última instância, pela execução da política em cada localidade.

A gerente de Projetos para Comunidades Tradicionais da Secretaria de Políticas para Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Ivonete Carvalho, disse que para ter acesso à maioria desses recursos são necessários projetos originados e executados pelo poder público municipal. “O problema é que as prefeituras não detêm conhecimentos técnicos para elaborar projetos voltados para o público quilombola”, destacou.

Para minimizar os efeitos dessa realidade, o governo estadual instituiu em 2007 o Fórum de Gestores Municipais de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do Estado da Bahia, com a adesão dos 14 municípios que possuíam em sua estrutura órgãos voltados para a igualdade racial. São eles: Alagoinhas, Entre Rios, Seabra, Jequié, Feira de Santana, Maragogipe, Cruz das Almas, São Sebastião do Passé, Salvador, Lauro de Freitas, Camaçari, Ichu, Porto Seguro e Vitória da Conquista.

O objetivo do fórum é implementar estratégias conjuntas que viabilizem essas políticas em âmbito municipal, de forma dialogada com as diretrizes e planos estadual e nacional.